29 julho 2009

um conto

Sempre que precisava ir ao centro da cidade, evitava andar pelas ruas principais. Tinha nojo, raiva, medo da confusão, da aglomeração de pessoas cuja única preocupação era a reunião das 14 horas. Preferia andar pelas ruas menores, silenciosas e cheias de histórias. Andava olhando pra cima, para o alto dos prédios do inicio do século 19 com seus bustos e gárgulas contrastando com os mais modernos arranha-céus de vidro que refletiam os raios do sol transformando a luz divina em mais uma força a perturbar aqueles que se buscavam. Os vidros, espelhos gigantes, são uma tentativa frustrada de separarem os de dentro e dos de fora de um jeito mais subjetivo que uma porta. Esta, a porta, definitivamente os separa em dois grupos distintos: os que podem entrar e os que não podem. Os vidros-espelhos faziam mais, pois além de separar os grupos, ainda mostravam aos de fora suas aparencias como que se dissessem “é por serem o que são que não podem entrar aqui”. Os vidros-espelhos são os gargulas do mundo contemporãneo, pois os gárgulas, que tanto admirava, também serviam para espantar aqueles que não fossem bem-vindos, geralmente os maus espíritos, e os vidros, porem, fazem mais, pois não tem qualquer beleza plástica justamente porque refletem o mundo exterior. Esses fazem mal a alma de quem passa.
Enquanto caminhava divando sobre o que nos fazia tão parecidos com o que éramos, chegou ao local que queria: um antigo prédio transformado em centro cultural, onde artistas, intelectuais, crianças e pessoas simplesmente desocupadas tentavam em vão decifrar a o que um artista queria dizer com esta ou aquela pintura, como se fosse essa a única razão de um artista fazer o que faz, querer dizer o não é dito. Um artista tem muitas razões para fazer o que faz. As pessoas porém fazem coisas totalmente sem razão e em momento algum se perguntam porque o fazem. “Que vergonha”, falou sussurrando querendo ao mesmo tempo ser e não ser ouvido. E não foi. Ninguém está ali para ouvi-lo. Alias, ninguém sequer o notou, passou invisivel pelas pessoas do térreo e subiu pelas escadas de mármore seculares gastas por infinitos passos de gerações e gerações de pessoas nem sempre interessadas pela mesma coisa que ele. Um dia, duas centenas de anos no passado, aquelas escadas serviram a reis, principes e banqueiros.
Mais um lance de escadas e chegou ao segundo andar, de onde se via o térreo e acima a visão majestosa da cúpula, coberta pelo azul escuro do céu de outono. Voltou-se para dentro de uma das salas onde passeou pela exposição de desenhos de um artista que admirava pela intensidade das cores e pela maneira que trabalhava o papel. Era um artista famoso e surpreendeu-se ao saber que ele ainda estava vivo, pois na arte muito se fala do trabalho e pouco da pessoa. Os artistas em sua maioria, são reclusos, não dão as caras em revistas ou na televisão, como se em sua época não existisse a mídia. “oh, ele é velho! Oh, ele é negro! Ih, é uma mulher” exclamava quando finalmente via o rosto daqueles nomes sobre os quais se lia tanto em textos de faculdade ou se ouvia em rodas de chopp com os amigos mais chegados. Sua intensão, finalmente é hora de mostra-la, era acabar com isso. Iria de uma só vez mostrar a cara de um artista e sua obra, entrar para a história de corpo e alma e ainda aparecer na televisão e nas revistas fazendo juz ao nome "artista" e aos recursos da querida e odiada mídia. Iria provar que nem gárgulas, nem vidros-espelhos eram capazes de dete-lo quando se tinha uma nobre intensão e ainda faria as felizes pessoas desocupadas encontrarem uma resposta para as suas tais perguntas. Responderia a todos de uma só vez.
De lá de dentro da sala de exposição olhou para a frente, mediu a distância e correu em direção a mureta e saltou, lembrando-se das aulas de arte, dos saltos de trampolim no clube que frequentava com a familia durante a infancia e dos pretenssos artistas contemporâneos que ganhavam matérias superficiais em programas de televisão de entretenimento.
A posição com que seu corpo parou no chão lembrava uma antiga escultura cubista que tinha visto em slides e seu sangue o pintou com um vermelho mais bonito que os dos desenhos que admirava. Agora podiam dizer que ele tinha sua própria instalação num dos mais famosos centros culturais da cidade e podia ter em seu currículo uma performance. Finalmente ele podia entrar para o hall dos famosos artistas contemporâneos.

Nenhum comentário: